Eiji se sentiu melhor do que nunca depois de comer, tomar um bom banho e trocar de roupa.
Enquanto isso, Loogamon entretinha seu convidado.
Felizmente, o referido convidado sabia lidar com Digimons.
A julgar pelo fato de que ele podia se comunicar facilmente com Digimons hololizados, o homem era definitivamente um cracker ou um hacker, ou pelo menos alguém que conhecia bem o Mundo Digital.
"Sinto muito deixar você esperando enquanto eu... uh, uau, minha casa está uma bagunça. Desculpe por isso", Eiji murmurou, secando a cabeça com uma toalha enquanto se sentava.
"Não se preocupe com isso. Minha casa não parece muito diferente", respondeu o homem.
Eiji soltou um suspiro enorme, dias de angústia forçando sua saída.
"E é um pouco tarde para dizer isso, mas desculpe por entrar aqui sem avisar".
O homem tomou um gole de café em lata.
Ele parecia extremamente relaxado e à vontade, e Eiji também se sentiu estranhamente relaxado. Não era como se seu apartamento estivesse cheio de armas em potencial. Ele nem tinha facas.
"Então, ah, por mais rude que seja perguntar depois que você me trouxe comida – o que, a propósito, obrigado – quem é você, mesmo?"
"Tartarus. Líder dos FdC".
O homem por trás do avatar; fiel às suas raízes de cracker, ele não estava disposto a dar a Eiji seu nome verdadeiro.
"Ah. Eu sou Eiji. Eiji Nagasumi".
Claro. O homem apareceu ao mesmo tempo em que Eiji recebeu aquela mensagem de texto de Tartarus, e Loogamon mencionou isso.
"Você quer uma prova de que sou de fato o líder dos FdC, não é?"
"Se você tiver algum".
"Provar que você é quem você é na Internet é uma das coisas mais difíceis de fazer, mas talvez isso seja suficiente... Dorumon!"
Um Digimon hololizado emergiu do Digimon Linker no pulso do Tartarus.
"Ei, esse é o Digimon esfarrapado que conhecemos na Favela do Muro!", Loogamon latiu.
O Digimon diante deles era aquele que os encarregou de mapear a Avenida Nove como uma espécie de exame de admissão para os FdC.
Ele removeu os trapos para revelar uma cauda espessa e pequenas asas saindo de suas costas.
Era um Digimon Criança do mesmo tamanho que Loogamon.
"Meu nome é Dorumon e não sou 'esfarrapado'".
"Este é meu amigo e parceiro Digimon", Tartarus disse a título de introdução.
O apartamento de cinco metros quadrados estava começando a ficar bastante apertado com dois humanos e dois Digimons sentados lá dentro.
"Espere... Não, espere! Você é o Entrevistador!"
Eiji gritou, apontando diretamente para o Tártaro.
"O entrevistador que você conheceu no início de tudo isso é o outro dos avatares de Tartarus", Dorumon confirmou
O Entrevistador era o próprio Tartarus. O próprio líder dso Filhos do Caos.
Apenas um punhado de pessoas deveria saber sobre aquele pequeno teste. Pelo menos isso confirmava que aquele homem estava pelo menos bem alto nos rankings dos FdC, mesmo que ele pudesse estar mentindo sobre ser Tartarus.
"Ok, então... Por quê?", Eiji perguntou.
"Eh?"
"Por que o lendário Craker Tartarus se preocuparia em supervisionar minha entrevista? Só consigo pensar em um motivo: você sabia por que eu estava tentando entrar no FdC".
Tartarus devia saber da diretriz do Professor Ryusenji. Devia saber que ele era cliente especial de Eiji. Era a única maneira de Eiji fazer com que tudo fizesse sentido.
"Heh, Marvin estava certo sobre você. Você parece completamente na ignorância, mas observa onde é importante", Dorumon disse com aprovação.
"Ele disse o quê?"
Eiji virou a cabeça para olhar para Dorumon.
"Exatamente certo. Sabemos que você era um espião do Professor Ryusenji, que veio ver o que podia descobrir sobre os FdC", continuou Dorumon, deixando de lado a pergunta de Eiji.
"E você nos deixou entrar nos FdC mesmo assim?"
Eiji perguntou, um pouco incerto se deveria direcionar sua pergunta ao homem que tomava café à sua frente ou ao Digimon ao lado dele.
"Bem, precisávamos dos seus músculos, por exemplo. Quero dizer, você salvou a vida de Marvin durante o ataque aos servidores de dados da nação X. Pelo que gostaria de agradecer mais uma vez".
"Sim, sem problemas".
"Você é uma pessoa rude, mas é educado onde importa", Loogamon disse, reavaliando Dorumon.
"Tudo isso é para dizer que sabíamos que podíamos confiar em vocês precisamente porque vocês eram os pequenos espiões do Professor".
Se um cracker era bom o suficiente para o Professor Ryusenji, ele era bom o suficiente para o FdC. O Professor nunca empregaria um cracker abaixo da média.
"Uau, até o Time Crack e os Digimon respeitam os instintos do Professor!".
Não admira que tenham recebido Eiji tão rapidamente nos escalões superiores, apesar da sua inexperiência e da falta de realizações.
"Mas há outra razão, provavelmente mais importante".
"E eu quero perguntar sobre isso. O que os FdC fariam quando tivesse um Digimon de nível Supremo? O que vocês pretendem coletando Digimons assim?"
Eiji disse enquanto abria uma das bebidas energéticas e começava a beber.
Ele não sentia mais vontade de vomitar, e seu Digimon Linker relatou que seus sinais vitais estavam mais ou menos de volta ao normal.
"Essa é a minha história para contar", Tártaro murmurou, pegando Eiji desprevenido.
"Uma parábola, se você quiser".
"A história do Cracker Tartarus, você quer dizer", esclareceu Dorumon. Uma história que agora envolve você e Loogamon, sem contar eu mesmo".
"Espere, então tudo correu de acordo com o plano dos FdC?"
Eiji disse, tentando avançar.
"Eu não iria tão longe. Todos os personagens necessários estão presentes, mas não podemos controlar o resultado, mesmo que todos façam a sua parte", Dorumon disse sugestivamente.
Eiji sentiu que finalmente estava entendendo algo enquanto tudo se desenrolava.
Não a história em si - ele ainda não entendia o quadoro geral - mas seu desconforto em relação a Dorumon. Aquele Digimon tinha vontade própria.
Claro, o próprio Professor já falara que os Digimons não eram meras IAs. Eles tinham personalidade, desejos e livre arbítrio. Mas havia algo ferozmente diferente com aquele Digimon.
Não era simplesmente o fato dele ser o parceiro de Tartarus. É que ele era fortemente independente.
Eiji não conseguia afastar a sensação de que Dorumon tinha seus próprios objetivos em mente. Por que outro motivo ele assumiria um papel de liderança, deixando seu parceiro humano apenas sentar e assistir ao show?
"Do que você está falando? Eu só faço o que quero!"
Loogamon se irritou com a ideia de que ele era um peão na trama de qualquer pessoa.
"De fato você faz Loogamon".
"Eiji e eu, vamos salvar Leon e Pulsemon!"
Loogamon tinha sua própria agenda, por mais simples que fosse.
"É por isso que Tartarus, o líder do do grupo de crackers Filhos do Caos, está aqui na sua casa", disse Dorumon.
A implicação era clara: eles precisariam da ajuda do líder dos FdC se quisessem resgatar seus amigos.
Em primeiro lugar, a tecnologia do Link Mental era desenvolvida por humanos. Eijiprecisava de alguém que estivesse familiarizados com as complexidades dela e com o Mundo Digital.
Eiji viu o plano deles tomar forma em sua mente.
"Loogamon e eu queremos salvar Leon Alexander e seu parceiro Digimon, Pulsemon, que se tornaram DECD. Esperamos que você possa nos dizer a melhor forma de fazer isso", disse Eiji cuidadosamente.
"Preciso lembrar que fomos nós, FdC, que solicitamos que você retaliasse o hacker conhecido como Judge?", Dorumon revidou.
A razaão para isso era uma vingança pela perda do Mugendramon, o poderoso Digimon guardado como segredo de estado pela nação X, devido ao ataque de Judge durante a invasão aos servidores. Leon tinha destruído o Mugendramon.
"Atribuir culpa a alguém é a parte fácil. Leon está DECD por causa dos meus erros. Fui eu quem estragou tudo e fez isso com ele".
Além disso, eles não se importavam com a forma como Leon seria punido, desde que fosse. A punição tinha ficado a cargo de Eiji.
"E finalmente consegui digivolver para minha forma Perfeita, apenas para ficar completamente furioso e descontrolado", Loogamon rosnou amargamente.
"Tudo bem então", interrompeu Dorumon. "Está claro que ainda compartilhamos um objetivo comum".
"Sim?"
Algo naqueles dois ainda parecia estranho para Eiji.
Ele não pôde deixar de pensar que havia mais entre eles do que a típica relação cracker e parceiro Digimon.
"É aí que reside o verdadeiro propósito dos FdC. Nosso objetivo é resgatar aqueles que se tornaram DECD. Essa é a razão pela qual Tartarus criou o grupo".
Não era bem isso que Eiji esperava ouvir.
Equipes de crackers geralmente eram formadas para investigar algo mediante pagamento de uma taxa, ou então para algum outro propósito que apelasse a algum ideal ou outro. Pelo menos, foi nisso que Eiji pensou que eles foram construídos.
"Então não se trata de liberdade na Internet ou no Mundo Digital?"
"Esses são os ideais do Time Crack. Originalmente, os FdC eram um grupo menor, construído em torno de uma visão muito mais restrita, compartilhada apenas com um punhado de pessoas no topo. Marvin é um deles. Humanos e Digimon podem pertencer a mundos completamente diferentes, mas concordamos em trabalhar juntos para levar isso até o fim", Dorumon disse. A implicação é que todos os presentes tinham a mesma opinião.
Eiji voltou seu olhar para o Tártaro.
"Ok, então vamos voltar a algo que você disse antes. Disseram-me que Tartarus nunca deixou ninguém se tornar DECD em suas missões. Mas antes você me disse que passou pelo que estou passando".
"Alguém muito importante para mim também acabou DECD".
"Por minha culpa".
"Sim, sua reputação o precede. Mas isso..."
"É um mal-entendido. Um que me dá muito crédito", Tartarus disse, pisando na explicação de seu Digimon.
Eiji ficou sentado em silêncio, esperando alguém falar.
"Fui a primeira pessoa a perder alguém no Mundo Digital. Alguém de quem eu gostava muito. Tornei-me um planejador meticuloso para evitar cometer o mesmo erro duas vezes. Esse tipo de comportamento dá reputação às pessoas".
"Conte-me mais", Eiji disse.
Tartarus fixou nele um olhar de aço que se suavizou em uma pitada de dor.
"Tanto quanto você se sinta confortável, quero dizer", acrescentou ele, tentando avaliar a reação do homem.
Tártaro concordou em contar sua história.
Eiji percebeu que esse era o seu plano o tempo todo. O que mais poderia tê-lo trazido até a porta de Eiji?